Enquanto fazem discursos a favor da reforma da Previdência
usando como argumentos a necessidade de austeridade fiscal e o combate aos
privilégios, mais de 170 deputados
federais estão tranquilos porque suas vantagens para se aposentar mais cedo,
com aposentadoria integral e com regras muito menos rígidas estão garantidas.
O relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº
06/2019, nome oficial da reforma encaminhada ao Congresso Nacional pelo governo
de Jair Bolsonaro (PSL), Samuel Moreira (PSDB-SP), é um dos que estão com a
velhice garantida. Segundo reportagem do Valor Econômico, Moreira é
contribuinte do Plano de Seguridade Social dos Congressistas (PSSC) e,
portanto, tem direito a aposentadoria integral, antes dos 65 anos, idade mínima
obrigatória para trabalhadores prevista na reforma.
O tucano paulista é apenas um dos deputados que defendem
fervorosamente a aprovação de regras mais rígidas para trabalhadores e
trabalhadoras e servidores públicos se aposentarem enquanto mantêm seus
privilégios e facilidades. Assim como ele, outros 173 deputados não serão
enquadrados no aumento progressivo de alíquotas de contribuição e terão direito
a uma transição tranquila para as novas regras.
Ainda segundo o Valor, levantamento da Câmara dos Deputados
feito em maio revela que esses parlamentares
contribuem para o PSSC, cuja alíquota é de 11% (R$ 3.763,00) do salário de R$
33.763,00 e têm direito a aposentadoria integral aos 60 anos de idade e 35 de
contribuição.
Antes de seguir falando sobre os verdadeiros privilegiados,
é importante saber que a média da
aposentadoria dos trabalhadores e trabalhadoras da iniciativa privada no país é
de R$ 1.300,00.
Os deputados que se elegeram em 2018 podem fazer a opção de
regime previdenciário que preferem: o especial do Congresso, o Regime Geral da
Previdência Social, gerido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), ou
regimes próprios de Estados e municípios.
A PEC só veda o ingresso a regimes especiais a partir dos
próximos mandatos.
O texto original da PEC propõe que servidores públicos que
ganham entre R$ 20.000,01 a R$ 39.000,00 paguem alíquotas de 14,68% a 16,79%. A
regra, no entanto, não vale para deputados do atual mandato.
O presidente da comissão de direito previdenciário da
OAB-SP, José Roberto Sodero, também enfatiza a existência da blindagem
parlamentar.
“Houve blindagem geral [de políticos], não só no parlamento
federal. O chamado sacrifício fica limitado a determinadas castas de
trabalhadores. Os parlamentares não farão o sacrifício que os outros
farão", afirmou à reportagem do Valor José Roberto Sodero, presidente da
Comissão de Direito Previdenciário da OAB/SP.
Para o deputado Júlio Delgado (PSB-MG), que está no quinto
mandato, só podem falar de fim de privilégios na Previdência os 267 deputados
que recebem ou fizeram opção pelo RGPS do INSS e recebem ou vão receber o teto
do regime, que hoje é de R$ 5.839,45.
Ele critica colegas que discursam contra a tabela
progressiva de alíquotas "porque não querem pagar 20% de R$ 30 mil".
"Usam o pobre para falar que a previdência pega o
assalariado, mas querem defender é a si próprios", disse Delgado ao Valor.
Segundo o professor de direito da Fundação Getúlio Vargas
(FGV-EASSP), Jorge Boucinhas, quem estiver agora na Câmara, mesmo que em
primeiro mandato, tem direito ao PSSC. E o governo fez isso, diz ele, porque
os parlamentares poderiam votar contra a
reforma só porque prejudicariam seus próprios direitos.
Falsos argumentos
Para tentar aprovar a PEC, Bolsonaro e o ministro da
Economia, o banqueiro Paulo Guedes, não se constrangem em fazer falsos
discursos vendendo a reforma como um corte de privilégios. O economista Eduardo
Moreira é curto e grosso ao afirmar em vários textos e entrevistas que isso não
é verdade. Segundo ele, o arrocho fiscal será inteiramente em cima dos
trabalhadores e trabalhadoras, que ficarão cada vez mais dependentes daqueles
que detém os meios de produção, as terras e o capital financeiro no país.
Ele ressalta que o item 50 da PEC que define rico como quem
ganha, em média, R$ 2.200,00 por mês. E mais, do total de R$ 1 trilhão de
economia que o governo diz que vai fazer com a mudança das regras nos próximos
10 anos, R$ 715 bilhões são do Regime Geral, que cuida dos benefícios dos
trabalhadores da iniciativa privada e R$182 bilhões serão cortados do Benefício
de Prestação Continuada (BPC) pago a idosos em situação de miserabilidade e do
abono salarial.
“Ou seja, 83% da economia vêm de pessoas que não têm
privilégio nenhum, que ganham um ou dois salários mínimos”.
Os mais pobres não vão conseguir se aposentar
A reforma da Previdência de Bolsonaro acaba com a
aposentadoria por tempo de contribuição, institui a obrigatoriedade da idade
mínima (65 anos, homens; e 62, mulheres) e aumenta o tempo mínimo de
contribuição de 15 para 20 anos. Quem quiser se aposentar com o valor integral
do benefício terá de trabalhador e contribuir durante 40 anos.
O Brasil tem hoje 28,4 milhões de trabalhadores
subutilizados, trabalham menos horas do que podem ou gostariam e o número de
informais vem crescendo substancialmente depois da aprovação da reforma
Trabalhista do ilegítimo Michel Temer (MDB-SP). Segundo o IBGE, o país tem 23,9
milhões de informais, ou seja, pessoas que não contribuem com o INSS durante
vários anos até conseguir um emprego formal ou uma renda decente.
Segundo Moreira, 42% dos trabalhadores brasileiros têm no
máximo nove meses de contribuição por ano, mas em média são 4.9 meses apenas.
“Essa reforma é destruidora, avassaladora e mortal para as pessoas mais pobres.
Para elas, isso pode fazer diferença entre viver ou morrer”.
Confira no ReajaAgora todas as perversas mudanças de regras
previstas na reforma da Previdência de Bolsonaro.
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