O Congresso Nacional pode restringir
ainda mais a concorrência em um mercado já
investigado por suposto cartel no Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Primeiro item da pauta do Senado hoje, o projeto
que institui o Estatuto da Segurança Privada e
da Segurança das Instituições Financeiras traz,
entre outras mudanças, um dispositivo que
impede que bancos possuam companhias de
transporte de valores. Para fontes ouvidas pelo
Valor, o alvo é a TBForte, que pertence à TecBan,
empresa que opera os caixas eletrônicos do
Banco24Horas e tem como acionistas Caixa
Econômica Federal, Banco do Brasil (BB), Itaú,
Santander, Bradesco e Citi.
Hoje, a TBForte tem cerca de 5% do mercado,
mas é vista como um competidor relevante.
Documento obtido pelo Valor mostra que a
entrada da TBForte em um pregão da Caixa
em 2016 para atendimento de agências em
São Paulo puxou para baixo os preços dos
lances vencedores na comparação com
pregão semelhante em 2011. A Caixa pagou
até 59% menos pelo atendimento de uma
superintendência regional a partir do pregão
do ano passado. A menor queda foi de 44%. No
período, a inflação acumulada foi de 38,6%. A
única alta foi justamente no pregão do qual a
TBForte não participou. O mercado de transporte
de valores está concentrado em um punhado
de empresas que juntas detêm 80%. Entre elas,
está a Prosegur, de origem espanhola, que já foi
punida por práticas anticoncorrenciais em seu
país de origem.
A Comissão Nacional dos Mercados e da
Competição, o Cade espanhol, multou a empresa
e uma filial em quase € 40 milhões (pouco mais
de R$ 125 milhões) por dividir o mercado, tabelar
preço e trocar informações sensíveis por sete
anos. A decisão é de novembro do ano passado.
Procurada, a Prosegur não comentou o assunto.
No Brasil, a estrutura do mercado de transporte
de valores é investigada pelo Cade após a Agência
Nacional de Energia Elétrica (Aneel) denunciar
um suposto cartel em uma licitação realizada
em 2004 para atender unidades no Distrito
Federal. De acordo com a denúncia, haveria a
“combinação prévia dos preços praticados nos
certames e intimidação dos concorrentes nos
pregões presenciais, coagindo-os para que
desistam de ofertar lances verbais”. O processo
administrativo investiga 22 empresas, dois
sindicatos e 17 pessoas físicas.
Entre elas está a Confederal, controlada
por uma holding cujo principal acionista é o
presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDBCE).
Ao instaurar o processo, o Cade afirmou
que “a gravidade dos indícios apontados requer
sério empenho investigativo das autoridades
responsáveis”. Procurada, a Confederal disse
que não tem conhecimento sobre o assunto e,
portanto, não pode comentar. Eunício afirmou, em nota, que é contra qualquer restrição à livre
concorrência. Além disso, o Cade já condenou
empresas do setor por infringir a ordem
econômica. A Proforte teve que desembolsar
R$ 2,719 milhões por abusar de sua posição
dominante no transporte de valores para a
Caixa em Goiás.
A Rodoban também teve que pagar R$ 318
mil por comportamento semelhante em Belo
Horizonte. O risco representado pela entrada
de bancos no setor foi reconhecido pela
Prosegur no seu prospecto de IPO. Ao elencar os
riscos para a empresa, ela incluiu a criação de
empresas do ramo por bancos e outros clientes
das transportadoras de valor. A Associação
Brasileira de Empresas de Transporte de Valores
(ABTV) defende a aprovação da regra. “A Tecban,
com a TBforte, é competidora das empresas
em determinadas localidades e é cliente das
empresas em outras. Quando faz cotação, ela
tem abertura de preços de todas as empresas.
Não tem limitação de governança da TecBan
de usar essas informações onde elas prestam
serviço”, apontou o diretor jurídico da entidade,
Rubens Schechter.
Para a ABTV, não há problemas em bancos
realizarem o serviço de transporte de valores
organicamente, ou seja, que assumam o
transporte apenas para atividades próprias.
O ponto defendido pela entidade patronal é
que essas empresas orgânicas não podem
atuar no mercado como um todo e passar a
competir com transportadoras que prestam
serviços a terceiros. A Federação Brasileira de
Bancos (Febraban) é favorável ao projeto como
um todo, mas contrária ao artigo que restringe
a atuação de bancos. Em outubro, o diretor
da Febraban, Leandro Vilain, ressaltou que o
projeto tem méritos e foi bastante discutido,
principalmente durante sua tramitação na
Câmara dos Deputados. Mas argumenta que
esse ponto em específico desmantela a atuação
da TBForte e assegura uma reserva de mercado
justamente aos maiores grupos já existentes.
Originalmente, o projeto, de 2010 e cujo autor
é o hoje prefeito do Rio de Janeiro Marcelo
Crivella (PRB), visava estabelecer um piso
nacional aos trabalhadores de empresas de
vigilância e transporte de valores. Foi bastante
alterado ao longo dos anos até chegar ao
formato atual. O assunto movimenta um lobby
pesado no Senado. A votação na Comissão
de Assuntos Sociais (CAS), último passo antes
do envio da matéria ao plenário, foi um bom
exemplo. Em uma véspera de feriado, 17
senadores compareceram às 9h da manhã à
sessão do colegiado - horário normalmente
pouco prestigiado - para dar aval ao projeto.
Um destaque para derrubar o artigo que afeta a
TecBan foi apresentado, mas derrotado.
Relator do projeto, o senador Vicentinho
Alves (PR-TO) alega que, pela proposta, os
bancos podem ter as suas empresas orgânicas
para transportar os seus serviços. Mas não para
terceiros. A princípio, a matéria ainda deveria
passar pela Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ). Mas a aprovação de um pedido de urgência
permitirá que o parecer de constitucionalidade
seja dado direto no plenário, onde também
será votado o mérito da proposta. Os senadores
Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Romário (ProsRJ)
devem apresentar requerimentos para que
o texto seja discutido pela CCJ. Se aprovado, o
projeto segue para sanção presidencial.
Fonte: Valor Econômico