O deputado federal Daniel
Silveira (PSL-RJ) contratou uma empresa sem registro na Polícia Federal (PF),
de propriedade de um amigo pessoal, para realizar a sua segurança pessoal. Os
pagamentos foram feitos com dinheiro da cota parlamentar da Câmara dos
Deputados. A empresa tem como diretor comercial um colega de Daniel, policial
militar réu por sessão de tortura.Foto: Reprodução
Desde que assumiu o mandato, em
2019, Silveira paga regularmente R$ 8 mil por mês à empresa Global Company, de
Petrópolis (RJ), referente a "serviço de segurança pessoal e
vigilância". A empresa, fundada em 2012, afirma em seu cadastro na Receita
Federal realizar “atividades de vigilância e segurança privada”. No entanto,
não possui a permissão formal para atuar na área, concedida em todo o país pela
PF.
A Global já recebeu R$ 184 mil
pagos, segundo dados da Câmara. Silveira só perde para Flávio Nogueira, do PDT
do Piauí, que gastou R$ 187,3 mil desde o começo desta legislatura com esse
tipo de serviço.
Na manhã desta terça, agentes da
Polícia Federal estiveram na sede da Global Company para colher documentos e
verificar o funcionamento da empresa. Pelas normas estabelecidas pela Polícia
Federal, os empreendimentos que atuam na prestação de serviços de vigilância
patrimonial, transporte de valores, escolta armada e segurança pessoal devem
ser credenciados e fiscalizados pela PF.
Mas, segundo a corporação, a Global não tem autorização para prestar
nenhum desses serviços.
A empresa tem como proprietário o
lutador Krav Maga Carlos Eduardo Passos de Paula. Ao GLOBO, Paula contou que
conhece o deputado desde 2005, quando estudaram Direito na mesma instituição, e
que presta serviços de “monitoramento, inteligência e segurança pessoal” desde
a eleição, quando Silveira era pré-candidato. O gasto, no entanto, não consta
nas despesas de campanhas apresentadas ao TSE, em 2018.
- Desde 2004 eu conheço o Daniel
de vista na cidade, soube que ele foi segurança, mas passei a ter mais
aproximação em 2005, na Faculdade de Direito. Não tinha muita amizade, mas como
eu tenho várias pessoas, policiais, que trabalham comigo, fui apresentado e
começamos a se falar. Em 2016 a gente se conheceu, eu pelo Krav Maga, ele pelo
Muay Thai, tínhamos mais coisas em comum, mas em nenhum momento pela política -
contou.
Paula afirma que o valor recebido
é adequado frente aos custos de uma segurança. O serviço, por sua vez, é
prestado no estado do Rio de Janeiro, segundo ele. Em Brasília, a segurança
fica a cargo da própria Câmara
Entre os funcionários da empresa e policiais está o militar Vinicius de Amorim Tosta, réu acusado de submeter seis jovens a uma sessão de tortura em Santa Teresa, na Região Central do Rio de Janeiro, na véspera do Natal, em 2015. Ele chegou a ser preso pelo crime, mas hoje divide a atuação como PM com o cargo de diretor comercial da Global, prestando consultorias na área.
Em vídeos e eventos da empresa,
ele se apresenta como responsável pela área comercial da Global. No Facebook,
Tostes aparece tendo o perfil do deputado no ciclo de amizades. Os dois
estiveram juntos no mesmo período na Polícia Militar, executando trabalhos
similares. No período em que Tosta cometeu o crime na UPP Fallet/Fogueteiro,
Silveira trabalhava na UPP da Rocinha.
Naquela ocasião, jovens relataram
que sofreram ferimentos nas pernas e nos braços por uma faca quente, numa
abordagem feita pela equipe que Tosta integrava. Um dos jovens teve também uma
parte do corpo queimada por uma faca quente e o cabelo incinerado com um
isqueiro. Eles afirmam que foram obrigados a praticar sexo oral enquanto um PM
filmava a cena na rua.
Os cinco jovens que voltavam de
uma festa na comunidade Santo Amaro, no Catete, e teriam sido agredidos com uma
faca quente e um isqueiro. Eles também foram obrigados a ficar nus na rua e
praticar sexo oral enquanto um dos PMs os filmava. O caso, denunciado pelo
Ministério Público Militar, ainda não foi julgado. De acordo com o relatório da
investigação, “os acusados efetuaram diversas abordagens e, na maioria delas,
agem com emprego de força desproporcional aos casos”.
Paula explica que não procedeu
com a certificação na Polícia Federal pois “não trabalha com vigilantes armados
na empresa”, além de não desejar expandir o segmento de segurança pessoal, no
qual atua para Silveira.
No entanto, ele relatou que as
únicas pessoas armadas são os policiais que prestam serviço a ele. O mecanismo
é comum nesse mercado. Quando possuem autorização na PF, os vigilantes privados
só podem portar armas durante o exercício da profissão e em locais onde o uso é
considerado necessária. Em compensação, policiais têm porte de arma, e costumam
usar a das corporações nesses "bicos".
- A questão é que a PF não
esbarrou pois eu não ando armado, tenho uma equipe e é composta por policiais e
esses sim podem andar armados - disse Paula, ressaltando que a empresa tem
"conhecimento e capacidade", além de capacitações no exterior.
Questionado sobre a presença de
Tosta na empresa, Paula disse que a denúncia tem que ser apurada e que “isso
não mancha o caráter de uma pessoa”. Por mensagens, Tosta negou que tenha
trabalhado na segurança do deputado, disse que atua no "comercial como
consultoria" e que não recebe por isso. Sobre o caso em 2015, o militar
disse que não iria se manifestar.
Segundo o Regulamento Disciplinar
da PM, servidores da ativa não podem ser sócios majoritários nem ter papel de
gerência em empresas. Atualmente ele recebe R$ 4.826,90 por mês como policial
militar, segundo dados do Portal da Transparência do estado.
Procurada, a defesa de Daniel
Silveira disse "que, nesse momento, se concentra em reverter o cenário de
flagrante ilegalidade da prisão". A nota diz, ainda, que "todos os
fatos já foram ampla e notoriamente esclarecidos e que qualquer tentativa de
trazê-los à tona, mais uma vez, corroboram apenas para o assassinato de
reputação que se intenta contra o parlamentar."
Fonte: Jornal O Globo
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