terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Deputado Daniel Silveira contratou com cota parlamentar empresa de segurança de amigo em Petrópolis e sem registro na PF

Foto: Reprodução
O deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) contratou uma empresa sem registro na Polícia Federal (PF), de propriedade de um amigo pessoal, para realizar a sua segurança pessoal. Os pagamentos foram feitos com dinheiro da cota parlamentar da Câmara dos Deputados. A empresa tem como diretor comercial um colega de Daniel, policial militar réu por sessão de tortura.

Desde que assumiu o mandato, em 2019, Silveira paga regularmente R$ 8 mil por mês à empresa Global Company, de Petrópolis (RJ), referente a "serviço de segurança pessoal e vigilância". A empresa, fundada em 2012, afirma em seu cadastro na Receita Federal realizar “atividades de vigilância e segurança privada”. No entanto, não possui a permissão formal para atuar na área, concedida em todo o país pela PF.

A Global já recebeu R$ 184 mil pagos, segundo dados da Câmara. Silveira só perde para Flávio Nogueira, do PDT do Piauí, que gastou R$ 187,3 mil desde o começo desta legislatura com esse tipo de serviço.

Na manhã desta terça, agentes da Polícia Federal estiveram na sede da Global Company para colher documentos e verificar o funcionamento da empresa. Pelas normas estabelecidas pela Polícia Federal, os empreendimentos que atuam na prestação de serviços de vigilância patrimonial, transporte de valores, escolta armada e segurança pessoal devem ser credenciados e fiscalizados pela PF.  Mas, segundo a corporação, a Global não tem autorização para prestar nenhum desses serviços.

A empresa tem como proprietário o lutador Krav Maga Carlos Eduardo Passos de Paula. Ao GLOBO, Paula contou que conhece o deputado desde 2005, quando estudaram Direito na mesma instituição, e que presta serviços de “monitoramento, inteligência e segurança pessoal” desde a eleição, quando Silveira era pré-candidato. O gasto, no entanto, não consta nas despesas de campanhas apresentadas ao TSE, em 2018.

- Desde 2004 eu conheço o Daniel de vista na cidade, soube que ele foi segurança, mas passei a ter mais aproximação em 2005, na Faculdade de Direito. Não tinha muita amizade, mas como eu tenho várias pessoas, policiais, que trabalham comigo, fui apresentado e começamos a se falar. Em 2016 a gente se conheceu, eu pelo Krav Maga, ele pelo Muay Thai, tínhamos mais coisas em comum, mas em nenhum momento pela política - contou.

Paula afirma que o valor recebido é adequado frente aos custos de uma segurança. O serviço, por sua vez, é prestado no estado do Rio de Janeiro, segundo ele. Em Brasília, a segurança fica a cargo da própria Câmara

Entre os funcionários da empresa e policiais está o militar Vinicius de Amorim Tosta, réu acusado de submeter seis jovens a uma sessão de tortura em Santa Teresa, na Região Central do Rio de Janeiro, na véspera do Natal, em 2015. Ele chegou a ser preso pelo crime, mas hoje divide a atuação como PM com o cargo de diretor comercial da Global, prestando consultorias na área.

Em vídeos e eventos da empresa, ele se apresenta como responsável pela área comercial da Global. No Facebook, Tostes aparece tendo o perfil do deputado no ciclo de amizades. Os dois estiveram juntos no mesmo período na Polícia Militar, executando trabalhos similares. No período em que Tosta cometeu o crime na UPP Fallet/Fogueteiro, Silveira trabalhava na UPP da Rocinha.

Naquela ocasião, jovens relataram que sofreram ferimentos nas pernas e nos braços por uma faca quente, numa abordagem feita pela equipe que Tosta integrava. Um dos jovens teve também uma parte do corpo queimada por uma faca quente e o cabelo incinerado com um isqueiro. Eles afirmam que foram obrigados a praticar sexo oral enquanto um PM filmava a cena na rua.

Os cinco jovens que voltavam de uma festa na comunidade Santo Amaro, no Catete, e teriam sido agredidos com uma faca quente e um isqueiro. Eles também foram obrigados a ficar nus na rua e praticar sexo oral enquanto um dos PMs os filmava. O caso, denunciado pelo Ministério Público Militar, ainda não foi julgado. De acordo com o relatório da investigação, “os acusados efetuaram diversas abordagens e, na maioria delas, agem com emprego de força desproporcional aos casos”.

Paula explica que não procedeu com a certificação na Polícia Federal pois “não trabalha com vigilantes armados na empresa”, além de não desejar expandir o segmento de segurança pessoal, no qual atua para Silveira.

No entanto, ele relatou que as únicas pessoas armadas são os policiais que prestam serviço a ele. O mecanismo é comum nesse mercado. Quando possuem autorização na PF, os vigilantes privados só podem portar armas durante o exercício da profissão e em locais onde o uso é considerado necessária. Em compensação, policiais têm porte de arma, e costumam usar a das corporações nesses "bicos".

- A questão é que a PF não esbarrou pois eu não ando armado, tenho uma equipe e é composta por policiais e esses sim podem andar armados - disse Paula, ressaltando que a empresa tem "conhecimento e capacidade", além de capacitações no exterior.

Questionado sobre a presença de Tosta na empresa, Paula disse que a denúncia tem que ser apurada e que “isso não mancha o caráter de uma pessoa”. Por mensagens, Tosta negou que tenha trabalhado na segurança do deputado, disse que atua no "comercial como consultoria" e que não recebe por isso. Sobre o caso em 2015, o militar disse que não iria se manifestar.

Segundo o Regulamento Disciplinar da PM, servidores da ativa não podem ser sócios majoritários nem ter papel de gerência em empresas. Atualmente ele recebe R$ 4.826,90 por mês como policial militar, segundo dados do Portal da Transparência do estado.

Procurada, a defesa de Daniel Silveira disse "que, nesse momento, se concentra em reverter o cenário de flagrante ilegalidade da prisão". A nota diz, ainda, que "todos os fatos já foram ampla e notoriamente esclarecidos e que qualquer tentativa de trazê-los à tona, mais uma vez, corroboram apenas para o assassinato de reputação que se intenta contra o parlamentar."

Fonte: Jornal O Globo

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